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27 de dez. de 2018

Erros

Ah meus erros, eles me consomem...
O que fazer?
Perdão.
Buscar sabedoria, sabedoria.
Humildade.
Continuar...
Avante...
Não se pode parar.
Dói lá no peito...
Ainda mais quando não afetam só você.
Calma, é a luta de todos nós.
Perdão, Senhor.
Não me deixe continuar no erro.
Me ajuda a continuar.
É difícil acertar.
Respira. E não é que ajuda?
Não resolve, não, mas ajuda.
Perdão, queridos...
Perdão.

27 de ago. de 2017

Quem entende?

Mundo, misterioso mundo. Quem entende? Quem pode explicar? Vivamos. Eu creio em Deus. E temo a Deus. Por isso minha vida está em suas mãos. Sou grata pela maravilhosa família. Sou grata por viver momentos tão bons. Só peço a Deus a sabedoria. Vivo confiante do Seu amor.

10 de abr. de 2012

Onde mora a inteligência?


Postado no Pavablog
Texto de Rubem Alves publicado originalmente na Folha de S.Paulo
RETORNO AO lugar onde parei, na Escola da Ponte, em Portugal. A menina que me levava me havia dito umas coisas que me espantaram por não combinarem com aquilo que eu pensava saber sobre as escolas. Foi então que me veio à cabeça a sabedoria do Riobaldo: “O real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia”. Sem intenção consciente, o dito do Riobaldo passou por uma transformação pedagógica e virou “a inteligência não está na saída nem na chegada, ela se dispõe para a gente é no meio da travessia”. A inteligência acontece no “estar indo”. Quando ela não está indo, ela está dormindo…
Lembrei-me dos meus anos de ginásio, a pedagogia que os professores usavam naqueles tempos, e não sei se as coisas mudaram, porque o hábito tem um poder muito grande… Pois os professores me ensinaram as coisas que estavam na chegada, mas não me contaram como foi que a travessia tinha sido feita.
O professor entrou em sala e anunciou: equação do segundo grau. Aí, ele se pôs a falar e a escrever símbolos no quadro negro. Aprendi automaticamente, sem entender, porque tinha memória boa: “x = -b + ou – raiz quadrada de b2 – 4ac sobre 2a”. Lembro-me de um colega que não havia entendido a coisa, estava perturbado com o símbolo “x” e veio me perguntar: “Afinal, qual é mesmo o valor de “x”?
Eu sabia que a fórmula para se determinar o valor de “x” não havia caído dos céus. Ela aparecera na cabeça de algum matemático que a deduzira séculos atrás depois de uma longa travessia numa jangada feita de pensamentos. O dito matemático a descobriu porque seus pensamentos estavam infelizes. “Ostra feliz não faz pérola”. O que é dor para a ostra é uma interrogação para a cabeça.
Mas por onde o pensamento matemático navegou para fazer a travessia, isso o professor não ensinou. É possível que ele não soubesse, ou que achasse que isso não importava. Para que entender a gravidez se o nenê já nasceu? O que importa é comer o bolo e não saber a receita…
Me ensinaram também as três leis dos movimentos dos planetas que Kepler descobriu, curtinhas, fáceis de guardar na memória. Mas essas três leis na minha memória em nada contribuíram para dar poder à minha inteligência.
Enquanto a memória trabalhava para decorar a “chegada”, minha inteligência dormia. Nada me contaram sobre os caminhos fascinantes por onde errou o pensamento do astrônomo por dezoito anos. Uma hipótese errada atrás da outra, um caminho que não levava a lugar algum depois do outro. Por que gastar tempo com os erros da “travessia”, se se pode ir diretamente à “chegada”, conclusão? Não se percebe que, ao assim proceder, o aluno ganha uma memória musculosa e uma inteligência flácida…
Pensar é como escalar montanhas. Um alpinista recusaria o caminho rápido e seguro de chegar ao topo da montanha via helicóptero, sem sofrer e sem suar. Onde está a graça? O que ele deseja são os medos, os calafrios, os desafios da montanha, o que ele vê enquanto sobe… A arte de pensar se ensina fazendo a inteligência seguir o caminho da travessia, com todos os seus erros e enganos.
PS: Se você ficou curioso sobre a história da equação de segundo grau, consulte o Google.

(Eu, Vanessa, por motivos como esse fui estudar matemática)

Poesia de hoje

Uma poesia do blog divertimentoclarinete para estes dia.


Não se engane com o aspecto que agora tenho












É só um merecido repouso
Para as minhas raízes cansadas

Mas quando o inverno passar
Folhas virão
Flores explodirão
E carregados de frutos
Meus galhos se vergarão

Passam-se os anos
E meu tronco
(Repare)
Ele não parou de engrossar

19 de mai. de 2011

Medo, suor e sangue.

Escrito na testa.
Posted by umpontoum On May - 9 - 2011

Eu ia começar esse texto perguntando se você já sentiu medo de alguma coisa. Mas ficaria ridículo, porque todo mundo sente medo de alguma coisa. Todo glóbulo no seu sangue já sentiu medo de alguma coisa, e você com certeza já teve pequenos piripaques, mãos suadas e gastrites por ter medo de alguma coisa. Nothing new!

Mas você já sentiu medo por não saber o que é “essa coisa”? Por não saber como vai ser, como vai acabar a história, como você vai se sentir, como vai se sair ou como vai se portar? Você já fez cara brava pro seu inimigo e mesmo assim viu que não foi convincente o bastante? Isso acontece, quase sempre, com quase todas as pessoas, e você não é a única.

Levando para um lado mais espiritual: você já se sentiu incapaz porque parece que suas armas não foram tão potentes assim? Já sentiu que seu espírito tem os musculos tonificados, sarados, preparados, mas a sua alma é um poetinha tomando uísque e fumando um cigarro com um sonzinho de vitrola ao fundo? Você já sentiu que seu corpo, sua alma e seu espírito, moram em lugares separados?
O espírito tem boas palavras na boca. Tem foco, decisão, opinião e topa todas. Sua alma transita entre ups and downs, picos de alegrias, poças de confusão, e o seu corpo, coitado, leva a surra merecida por tanta loucura. Você já sentiu isso? Desconexo, do avesso, invertido, mexido por dentro? Não há nada tão aflitivo quanto não saber o que vai acontecer. Sofremos porque queremos saber, sofremos porque sabemos que não temos que sofrer, sofremos porque queremos que seja de um jeito mas também sabemos que Deus tem suas maneiras e elas são as melhores, mas aí sofremos de novo, porque se Ele sabe como fazer, por que andamos tão preocupados, caramba?

A conclusão é unânime: não há nada pior do que não saber o que vem pela frente ou não saber como encarar o que vem pela frente. Não há nada mais chato do que querer saber e ao mesmo tempo querer que Deus faça o que ele quiser. Você para pra pensar e a conclusão é: estamos em guerra interior!

Mas afinal, que briga é essa!?
Somos metade dor, metade militância?
Metade incerteza e outra metade fé?
Somos metade mimimi e outra metade soldados?
Somos domingo tudo lindo e quarta feira uma lameira?
Somos quase bons, quase servos, quase vitoriosos?
Que briga é essa que nos divide e deixa tudo tão estranho?
Nós somos mil coisas em um só dia?
Nós somos uma eterna TPM espiritual?

Não, nós não somos isso. Isso sim é uma briga, com certeza uma briga que todo mundo enfrenta por dentro, mas a boa notícia é que alguém já se viu dividido entre a aflição do que viria e a dor de saber que o que viria seria bem difícil de enfrentar. Um dia alguém sofreu a espera e sofreu a chegada. Um dia alguém sofreu a notícia e enfrentou as consequências dela. Um dia alguém foi metade suor e metade sangue.

Ele estava lá. Jesus estava lá fazendo a oração inevitável, querendo que aquele cálice fosse passado de sua frente. E ao mesmo tempo, ele tinha a certeza mais difícil que teria de engolir: a morte. Ele ia morrer e aquilo era sério demais pra ser ignorado. Nunca existirá um blog ou um escritor capaz de traduzir o que aquela noite significou na vida da melhor pessoa do mundo. Ninguém poderá explicar o que isso significou para o coração de Deus.

Sabe, você não precisa ser a melhor pessoa do mundo, não precisa ter curado milhares de pessoas, mas você precisa saber algumas coisas sobre aquela noite, porque talvez você também esteja transpirando suor e sangue. A combinação de quem sofre e sente dor. A combinação do medo e do desgaste. A combinação entre o físico e o emocional. Talvez o cansaço que não passa e a ferida que não estanca. Talvez o esforço e o sentimento, a tentativa e a mágoa. Eu não sei o que significa o seu sangue e o seu suor, mas eu sei que quando esses dois elementos escorreram numa noite solitária, até o próprio Deus fez uma oração pedindo ajuda. Quando o seu suor e o seu sangue escorrem numa noite solitária, coisas importantes acontecem depois.

A minha boa notícia pra você, é tão especial que eu escrevo isso com o maior cuidado, e eu nem tô batendo nas teclas com força, na esperança de que você leia as próximas linhas com a delicadeza de um alívio depois do stress, torcendo pra que você beije cada palavra abaixo:

Aquele suor e aquele sangue, que escorreram da testa dele, precisavam tocar o chão. Precisavam porque nenhum pedaço do planeta Terra havia sentido o gosto daquele suor e daquele sangue. Nada, nenhum ser vivo, vegetal, sei lá o que, havia tido contato com aquele suor e aquele sangue. O mundo conhecia, desde então, o suor de homens que trabalhavam por dinheiro e status, e o sangue de soldados que morriam por orgulho e vingança. O mundo conhecia desde então, o suor de pessoas que transpiravam por inveja, prazeres, vaidades e trabalhos vãos. O mundo só conhecia desde então, o sangue dos crimes, das mortes baratas, das maldades e dos golpes mesquinhos. E é por isso que aquele suor e aquele sangue precisavam tanto tocar o chão. É como se o chão pedisse esse batismo de coragem, novidade. Como se a terra, ou a Terra, sentissem essa sede.

Ok, mas isso tem a ver com a sua noite difícil?

Claro que tem a ver! Porque Jesus abriu um caminho onde o suor e o sangue se transformam em coisas inexplicáveis. Tem a ver porque ele fez de uma noite solitária o início da história de muitos. Talvez você pense: “lindo! só que eu tô sofrendo porque eu tenho conta pra pagar, estou sofrendo porque minha família é um saco”, e mesmo assim eu vou te falar: você não precisa que um novo caminho se abra para essas situações? Essa noite, esse chão que você pisa, esse cenário não precisa beber alguma coisa diferente?

O suor e o sangue de Jesus pingaram na terra. E o caminho depois disso foi completamente inusitado, verdadeiro, improvável e incrivelmente chocante. Ele caminhou para uma cruz e morreu nela, para que você não precisasse morrer de solidão, de desgosto ou de amargura. Ele caminhou para uma cruz e foi pregado nela para que você não precisasse ficar preso em julgamentos, idéias, pedradas, cuspidas e vícios. Ele caminhou para uma cruz e ficou nu, para que você não precisasse ser exposto como uma distração para a maldade. Ele foi parar num madeiro para que você não precisasse sentir o peso do mundo literalmente nas suas costas. O suor de Jesus se transformou em sangue porque todo esforço que você deposita na sua vida hoje, nessa noite, precisaria, mais cedo ou mais tarde, ter uma referência de alguém que foi até o fim. Alguém que foi até o sangue, literalmente.

Jesus sabe como você se sente. Ele já suou tristeza por não poder mudar os fatos, e ele já sangrou aflição ao encarar o inevitável. Sabe, Jesus morreu mas ressuscitou também, e por causa disso tudo é possível. Mesmo que você não acredite, as gotas já molharam o chão.

Você já viu uma criança que acaba de nascer? Ela ali chorando, esperneando, berrando e ainda assim, tantas novidades, tanta esperança, tantos planos! O que ela sente? Ela sente na pele, o suor e o sangue. A combinação perfeita, a prova de que um novo caminho começa.

Prepare-se para começar de novo. A noite vai clarear, cedo ou tarde você vai precisar se levantar. Prepare-se para o caminho. O chão foi limpo por um líquido infalível.

Luciana Elaiuy

16 de abr. de 2011

A verdade e sua metáfora

A verdade e sua metáfora
10 de Outubro de 2006
Provavelmente nada que já não tenha dito Paulo Brabo
Estocado em Manuscritos


Em certo país dava-se o nome de metáfora a qualquer recipiente próprio para conter algum líquido. Havia nesse país uma fonte de água cristalina, porém tão amarga que dizia-se bastar um único gole para matar de desgosto um homem adulto; cria-se no entanto que diluída ou em pequenas doses essa água tinha propriedades mágicas ou medicinais, e deu-se a ela o nome de verdade.

Levas de peregrinos acorriam incessantemente à fonte, e partiam para seus lugares de origem levando a verdade em seus vasos metafóricos.

Porém uma rigorosa seita, que cria que a verdade deve ser experenciada sem o auxílio de metáforas, atacava as caravanas de peregrinos. Querendo ensiná-los a obter a verdade em estado puro, os sectários destruíam a pauladas as metáforas que a continham. Quebrados os recipientes, a verdade se derramava e desaparecia no solo, ficando sem ela peregrinos e sectários.

Certa vez um rapaz voltava da fonte levando a verdade em sua metáfora quando viu de longe a aproximação dos sectários. Não querendo ver derramada a verdade que trazia consigo, o rapaz não hesitou e bebeu em goles resolutos toda a água da vasilha.

– Onde está a verdade que você trazia nessa metáfora? – perguntaram os perseguidores.

– Eu bebi – desafiou o rapaz. – Agora a verdade está dentro de mim.

E os sectários mataram-no a pauladas.

Em compensação, começou a correr a notícia de que a verdade, embora amarga, não era mortal, e que o recipiente próprio para conter a verdade era um ser humano. Com o passar do tempo os próprios homens passaram a ser chamados de metáforas, e conta-se que nunca estiveram mais perto da verdade.

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Apresentado com segundas intenções por Paulo Brabo
Estocado em Fé e Crença, Goiabas Roubadas


Porém se a verdade, pura, abstrata e livre de todo amálgama mítico, permanecerá para sempre inalcançável, até mesmo para os filósofos, podemos compará-la ao flúor, que não pode ser isolado, mas aparece sempre em combinação com outros elementos. Ou, para usar uma analogia menos científica, a verdade, que é inexpressível a não ser através do mito e da alegoria, é como a água, que pode ser carregada apenas em vasos. O filósofo que insiste em obtê-la pura é como o homem que quebra o jarro para obter a água. Essa é, talvez, a analogia precisa.

Demófeles, no Diálogo Sobre a Religião de Arthur Schopenhauer

27 de mar. de 2011

Graça

27 de Novembro de 2007
Submetido ao seu julgamento por Paulo Brabo
Estocado em Fé e Crença, Sociedade


A cidade invisível sobre o monte

O mundo pode ser salvo e quero explicar como, mas preste atenção porque só vou dizer uma vez.

É necessário em primeiro lugar que você entenda que (e porque) a situação está mais desesperadora do que já esteve. O mundo está duas vezes mais difícil de salvar do que, digamos, no tempo de Jesus, e não apenas porque há mais gente para ser salva. Tanto a salvação do mundo quanto a específica dificuldade presente estão ligados à qualidade das relações entre as pessoas.

Falando em termos gerais, há dois tipos de associações de pessoas, as instituições e as camaradagens. O que caracteriza as instituições é que elas promovem respostas condicionadas. Num sentido muito essencial, o que fazem as instituições é cercear a liberdade e inibir a criatividade, pelo que servem basicamente como instrumentos de controle social. Prisões, igrejas, empresas, escolas, religiões e formas de governo são instituições, e guardam por essa razão, apesar das diferenças superficiais, grande familiaridade entre si.

As camaradagens, em constraste, são relações autônomas e criativas entre pessoas, e por isso têm sempre algo de informal e algo de provisório. Rodas de samba, caronas, equipes de gincana e parceiros de truco são exemplos úteis, mas também insuficientes, visto que há um enorme leque possível e efetivo de camaradagens na vida real – subsistindo nos mais diversos níveis e construídas sobre as mais diversas bases. A maior parte das camaradagens não tem nome. O que as caracteriza é que, ao contrário das instituições, as camaradagens promovem respostas não-condicionadas ao problema da relação das pessoas com o seu ambiente (incluindo o seu meio-ambiente). Ao invés de instrumentos de controle, as camaradagens servem como ferramentas de convivência.
Não se pode esconder uma boa nova que inclui a todos e qualquer um.

A tentação que assombra as camaradagens, especialmente as mais compensadoras e bem-sucedidas, é, naturalmente, a de tornarem-se instituições. Se digo que o mundo de hoje está mais difícil de salvar é porque há dois mil anos as pessoas viviam em geral mais mergulhadas nas camaradagens do que nas instituições, e na nossa realidade a regra é oposta. Para usar as palavras de Illich, de quem roubei boa parte desta terminologia, a sociedade industrial reduziu a convivência a um patamar mínimo e tornou-nos, em todos os níveis, meros consumidores. Nossa vida é, de cima a baixo, da infância à velhice, da manhã à noite, do trabalho ao lazer, mera resposta condicionada às exigências feitas sobre nós pelos outros e por um meio-ambiente criado pelo homem. Não resta espaço para as interações verdadeiramente criativas nem para a verdadeira autodeterminação, que é simultanemente autonomia e a fraternidade; não nos resta a liberdade de nos submetermos a uma interdependência voluntária, já que vivemos sob o peso de uma interdependência imposta. Numa palavra, não resta espaço para a convivência.

Há dois mil anos, para salvar o mundo, bastava convidar as pessoas para abraçarem uma estirpe radical e revolucionário de convivência. Hoje em dia é preciso lembrá-las, em primeiro lugar, do que é convivência; que há um mundo possível determinado pelas relações autônomas e criativas entre as pessoas, um mundo louquíssimo impulsionado pela graça fragilíssima da camaradagem e não pela sociedade de consumo, pela internet, pelos times de futebol, pela marca da roupa, pelo modelo do carro, pelo peso onipresente das pressões familiares, religiosas, sexuais, econômicas, raciais e políticas.

A boa nova cristã explica que apenas a graça, e portanto a camaradagem, pode salvar um mundo que teima em colocar sua confiança e seus investimentos nas instituições. Deus é amizade, e a linguagem da amizade é perpetuamente livre, provisória e gratuita; depende de sujeições voluntárias e de autonomias ininterruptamente soberanas.

O radical na mensagem de Jesus não está em ele esclarecer o mais ou menos óbvio, que as camaradagens são vida e as instituições morte; o revolucionário está em que ele propõe o passo seguinte, definitivo e louco e definitivamente redentor. Em suas palavras e em seu exemplo o nazareno explica que até as mais belas camaradagens podem tornar-se morte, a não ser que se disponham a manter-se perpetuamente abertas – isto é, dispostas [1] a celebrar a própria precariedade e [2] a aceitar a inclusão de quem quer que seja no seu círculo de convivência.

Mesmo a mais cordial camaradagem é definida por alguma resposta condicionada, e Jesus desafiava continuamente esses limites convencionais. O Filho do Homem, como representante do Deus Não-condicionado, recusava-se a oferecer qualquer resposta condicionada, não importando a situação social em que se encontrasse. Fosse diante de um rei, de um sacerdote ou de uma prostituta, o que Jesus oferecia não era a resposta convencional, estratégica, socialmente adequada e politicamente correta. O que ele oferecia, revolucionariamente, era a oferta de uma vontade livre que não esperava outra coisa da pessoa com quem estava se relacionando. Como resultado sua postura é consistentemente inclusiva, a não ser quando se trata dos que querem perpetuar a instituição e sua resposta condicionada e, através delas, os muros de separação entre as pessoas.

Jesus não apenas vivia entre camaradas, mas propunha um modo de vida em que a camaradagem – a aceitação gratuita e a interação livre, autônoma e criativa – fosse a norma e não a exceção. Sua mensagem e seu ministério resumem-se na demonstração de que a camaradagem divina, e portanto a camaradagem do Filho do Homem (ou, “o ser humano como todos devem ser”), estão continuamente à disposição de quem quer que seja – um político corrupto, um sacerdote mesquinho, um adúltero esmagado pela culpa, uma criança que não vai ter nada inteligente para dizer. O poder dessa boa nova é um poder fragílissimo, uma semente minúscula que pode tornar-se uma grande árvore mas também uma chama que pode ser apagada por quem quer que seja e a qualquer momento.

Jesus pediu que fosse dito a João Batista na prisão que o poder do evangelho era visível porque “a boa nova estava sendo proclamada aos pobres”, isto é, a boa notícia da convivência chegara aos que normalmente não são incluídos em camaradagem alguma. Para Jesus, “não se pode esconder uma cidade construída sobre o monte” significa, basicamente, “não há como se esconder uma boa nova que inclui a todos e qualquer um”. Quando deixa de incluir a todos de forma criativa e indiscriminada, a cidade desaparece de sobre o monte: Deus não existe, a convivência perece, e as mesmas palavras do mesmo Jesus passam de boa nova a farsa e engodo.

Em tempos recentes, a manifestação mais espetacular e sacrossanta que conheço do poder da graça inclusiva não está portanto (e nem poderia estar) em qualquer iniciativa institucional, mas na fragilíssima e despretensiosa iniciativa de Juan Mann (“one man”, isto é, “um [Filho do] homem”) em sair pela rua oferecendo abraços gratuitos. Enquanto esse sujeito avançava cidade adentro erguendo seu rídiculo cartaz os arcanjos cantavam, as hostes celestias aplaudiam, os serafins se dobravam em solene reverência e os demônios se dissolviam em vergonhoso estertor, porque depois de anos a boa nova estava sendo pregada aos pobres. Um único homem convidava o mundo paupérrimo de convivência a uma resposta não-condicionada, e fazia-o oferecendo a forma mais absurda e precária e indiscriminada de camaradagem. A cidade, senhoras e senhores, refulgia inequivocamente sobre o monte.

O que há de mais absolutamente fulgurante na sua iniciativa está em que, ao oferecer abraços gratuitos, Juan Mann está – e preste atenção agora, porque nisso está a salvação do mundo – oferecendo de graça o que qualquer um pode oferecer de graça. Ele não apenas promove a convivência, mas comprova brilhantemente no mesmo gesto que a convivência é dom que qualquer um pode conceder a qualquer momento, em qualquer lugar, a qualquer um. Não é de se admirar que os anjos aplaudam e façam fréneticas ôlas e brindem com suas taças e atirem para cima os seus chápeus. Nós, da instituição, temos um plano de salvação do mundo em que é parte essencial recolhermos ofertas, juntarmos doações, pedirmos dinheiro; ou seja, estamos exigindo, e com a melhor das boas intenções, o que nem todos podem dar – quando a boa nova consiste justamente em desafiar o homem a oferecer a todos o que todos podem oferecer.

É por isso que os grandes luminares da boa nova não são jamais projetos ou campanhas, mas pessoas singulares e despretensiosas, gente que pela sua conduta e pelas suas escolhas facilitam que se criem ao seu redor círculos singulares de convivência e camaradagem, e portanto de transformação social – ciclos de redenção. Gente como Gandhi, que convidava seus seguidores a estenderem a tenda da camaradagem até o terreno dos seus antagonistas; como Madre Teresa, que gentilmente transformou Calcutá numa cidade sobre o monte, brilhando para a eternidade além da dor e do preconceito e da imundície; como Zeca Pagodinho, que cometeu a insanidade de permanecer freqüentando os mesmos bares e os mesmos amigos mesmo depois de ser atingido pela fama. Gente que ousa oferecer de graça o que todos podem oferecer de graça, e assim transforma sua vida em fulcros de camaradagem e de convivência.

Não se iluda. Qualquer um pode trazer luz ao mundo, mas na maior parte do tempo Deus não existe e o evangelho é uma farsa. Não se pode esconder uma boa nova que se aplica a qualquer um, por isso quando não atinge indiscriminadamente a todos a cidade não está sobre o monte, e pode ser facilmente escondida.

26 de fev. de 2011

Aos piores dias

Postado em umpontoum

“Dias piores virão, viu?”. Ouvi essa frase numa osmose quase burra e sorri blasé, com o canto da boca, como se todas as melecas da minha vida me dessem moral e aval para poder rir disso. Como se eu fosse entendida de dias difíceis e isso fizesse de mim uma pessoa evoluída, melhor que outras, como seu eu soubesse de tudo, só porque sei o que é dificuldade”. Que tipo de pensamento amargo é esse? As vezes nós conseguimos ser bem idiotas, né?
continua

12 de jan. de 2011

Adélia Prado

No blog da ameninaquepassa encontrei sobre Adélia Prado. Li a poesia "A escrivã na cozinha" e assisti a entrevista parte 1 e parte 2, que também coloco abaixo. Ela salvou meu dia.





A escrivã na cozinha

Adélia Prado

Só Deus pode dar nome à obra completa
— de nossa vida, explico — mas sugiro
Ao meio-dia, um rosal,
implica sol, calor, desejo de esponsais,
a mãe aflita com a festa,
pai orgulhoso de entregar sua filha
a moço tão escovado.
Nome é tão importante
quanto o jeito correto de se apresentar a entrevistas.
Melhor de barba feita e olho vivo,
ainda que por dentro
tenha a alma barbada e olhos de sono.
Sonhei com um forno desperdiçando calor,
eu querendo aproveitá-lo para torrar amendoim
e um pau roliço em brasa.
Explodiria se me obrigassem a caminhar por ele.
Ninguém me tortura, pois desmaio antes.
A beleza transfixa,
as palavras cansam porque não alcançam,
e preciso de muitas para dizer uma só.
Tão grande meu orgulho, parece mais
o de um ser divino em formação.
Neurônios não explicam nada.
Psicólogos só acertam se me ordenam:
Avia-te para sofrer — conselho pra distraídos—,
cristãos já sabem ao nascer
que este vale é de lágrimas.

Texto extraído do livro “A duração do dia", Editora Record – Rio de Janeiro, 2010, pág. 25.

13 de dez. de 2010

O Problema do Sofrimento

Um debate entre Bart Ehrman e N. T. Wright. Bart Ehrman escreveu O Problema com Deus (Agir, 2008), enquanto N. T. Wright escreveu O Mal e a Justiça de Deus (Ultimato, 2009).
Traduzido por Eliel Vieira.

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6 de dez. de 2010

A Imagem de Deus e a Frustração do Ateísmo Científico

A Imagem de Deus e a Frustração do Ateísmo Científico
Dezembro 4, 2010 por Eliel Vieira

Autor: J. P. Moreland
Tradução: Eliel Vieira

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Um dos papéis mais importantes de uma cosmovisão é fornecer uma explicação para os fatos e para a realidade, da maneira como ela verdadeiramente é. Na verdade, cabe a uma cosmovisão explicar o que existe e o que não existe, de maneira coerente com os comprometimentos explanatórios centrais desta cosmovisão. Neste sentido, nós podemos considerar uma cosmovisão uma hipótese explicativa.

Das explicações de uma cosmovisão sobre fatos para a teorização científica que objetiva explicar pequenas coisas em nosso dia a dia, todos nós nos engajamos bem de forma apropriada em um raciocínio do tipo “se-então”, ou o que os filósofos chamam de método hipotético-dedutivo: se a lua estivesse em tal e tal lugar, então a maré estaria assim e assado. Mas a maré não está assim, então a lua não pode estar naquele local. Se minha filha não veio direto para casa da escola, ela não teve tempo para arrumar seu quarto. O quarto está uma bagunça, então é provável que ela não veio para casa logo após sua aula terminar. E assim por diante. E se os fatos são da forma como nós deduzimos que eles deveriam ser, dada nossa hipótese, então eles fornecem evidencias convincentes de que nossa hipótese é verdadeira – a melhor explicação para os fatos.

Uma teoria pode explicar muito bem alguns fatos, mas existem fatos recalcitrantes que obstinadamente resistem em ser explicados por uma teoria. Não importa o que o defensor de uma teoria faça, o fato recalcitrante simplesmente se acomoda em seu canto e não é incorporado facilmente à teoria. Neste caso, o fato recalcitrante fornece evidências falsificativas para a teoria e algum nível de confirmação para as teorias rivais.

A Bíblia ensina que os seres humanos foram criados conforme a imagem de Deus (Gn 1:27). Isto implica que existem coisas sobre nossa composição que são da forma como Deus é. No início de suas Institutas à Religião Cristã, João Calvino observa:

Nenhum homem consegue examinar a si mesmo sem imediatamente voltar seus pensamentos para o Deus em quem ele vive e se movimenta; porque é perfeitamente óbvio que os dons que nós temos não podem ter vindo de nós mesmos.


Como portadores da imagem de Deus, os seres humanos têm todos aqueles dons necessários para representar e serem representantes de Deus, realizar as tarefas designadas e exibir a relacionalidade existente colocado ante eles: dons da razão, autodeterminação, ação moral, personalidade, formação relacional, etc. Neste sentido, a imagem de Deus é diretamente fundamentada na natureza ou ontologia de Deus.

A natureza ontológica da imagem de Deus implica, entre outras coisas, que a composição dos seres humanos deve fornecer um conjunto de fatos recalcitrantes para outras cosmovisões. O raciocínio por trás desta afirmação é o seguinte:

1. Se a fé cristã é verdadeira, então certos aspectos deveriam caracterizar os seres humanos.
2. Estes aspectos, de fato, caracterizam os seres humanos.
3. Assim, estes aspectos fornecem um nível de confirmação para a fé cristã. Estes aspectos caracterizam Deus e, além disto, vêm dele. Ele nos fez para que os tivéssemos.

O cristão oferece, então, um desafio para as outras cosmovisões – em particular o naturalismo científico: mostrar que você tem uma explicação melhor para estes aspectos do que a explicação cristã (com sua doutrina da imagem de Deus), ou mostrar que estes aspectos não são na verdade reais, mesmo que eles pareçam ser.

A natureza recalcitrante dos seres humanos para o naturalismo científico já foi largamente observada. Desta forma, o filósofo de Berkley John Searle recentemente observou,

...

1 de dez. de 2010

Vida eterna

Texto completo:
http://herdeirosdodeserto.blogspot.com/2010/11/o-que-fazer-para-herdar-vida-eterna.html

Mestre que farei para herdar a vida eterna?

"Acima de qualquer norma, lei ou rito a solidariedade é a via de acesso à vida que se pretende ter significado suficiente para se perpetuar. O interprete da Lei no domínio da letra faz polida a sua ortodoxia. O samaritano ao querer fazer viver o outro versa a ortopraxia. Em nossas modernas unidades administrativas (igrejas) – termo que emprestei do Paulo Brabo – o pensar correto a fé cristã (ortodoxia) só representa algum sentido caso vida eterna seja a expectativa do prêmio de consolo para quem anda apavorado com a possibilidade de um estágio sem fim no inferno depois da morte. Agir no limite do amor na prática da solidariedade (ortopraxia) significa viver na vida eterna, sendo esta não um benéfico pessoal futuro, mas o conhecer a Deus e a Jesus a quem Ele enviou (Jo 17.3), conhecimento capaz de modificar ambientes que imprimem uma cultura de morte e negação do coletivo. A vida eterna não é a vida futura, é a vida presente (F. Varillon). Aquele que crê tem (no grego significa em andamento) a vida eterna.

O conceito e o horizonte da vida eterna, ou, salvação ampliados por Jesus são rigorosamente reduzidos e dicotomizados por quem não se satisfaz em praticar a lei do amor. Vida eterna não é o visto no passaporte que garante lugar na janela, ileso e desobrigado com o restante da espécie, na viagem rumo ao céu. Nem salvação. Vida eterna é um jeito de viver daquele que crê, que cria um ambiente de salvação em redor de si. Vida eterna é um gesto eco-solidário de quem se empenha em transformar o mundo, que se nega a querer para si algo que é negado ao outro. Para quem almeja herdar a vida eterna o gesto requerido é de saimento de si renovando suas condutas em acolhimento ao semelhante. Dedicando ao outro o mesmo que deseja para si. Não se contentando com menos que isso."

Alex Carrari

Lucas 10:25-37

29 de nov. de 2010

Oito dicas que ajudam a lidar com a pressão

Texto de auto-ajuda do msn :D
http://msn.minhavida.com.br/conteudo/12451-Oito-dicas-que-ajudam-a-lidar-com-a-pressao-e-o-estresse.htm

Oito dicas que ajudam a lidar com a pressão e o estresse
Saber lidar com as outras pessoas nem sempre é tarefa fácil

No trabalho, com os familiares, na escola, no relacionamento e em qualquer ambiente ou situação que nos coloque em contato com outras pessoas, estamos sujeitos ao surgimento de pressões psicológicas ou situações limite ocasionados por influências externas. É importante a pessoa estar vigilante para perceber se além da pressão externa ela não está acumulando cobranças internas.
Existem pessoas detalhistas, perfeccionistas e que não lidam bem com erros, julgamentos e comentários alheios ou falhas que costumam viver em constante cobrança consigo mesma. Esse hábito resulta em mais cobrança e uma maior carga de estresse e cansaço na vida da pessoa.
A insegurança pode colaborar na piora da situação, pois leva o indivíduo a se esforçar constantemente em busca da satisfação do outro. Mas é preciso pensar e considerar qual é a importância da aprovação externa em sua vida, para que o desgaste seja diminuído.
Para evitar o estresse e o desgaste que podem surgir em decorrência do excesso de pressão e cobrança, preste atenção nas suas ações e procure incorporar novas atitudes.

A insegurança pode colaborar na piora da situação, pois leva o indivíduo a se esforçar constantemente em busca da satisfação do outro.

Confira abaixo formas de lidar com as situações de pressão:

1- Cuidado com cobranças excessivas: Fique atento para não se cobrar excessivamente por algo que já está sendo cobrado por terceiros. Diante muita cobrança, você poderá sentir desânimo, falta de força e de estimulo para cumprir o que foi delegado.

2- Evite idealizar soluções: Diante de um problema ou um prazo a ser cumprido, analise de forma concreta e lógica a melhor forma de resolvê-lo e parta para a ação. Ao ficar idealizando soluções você pode "ficar preso" a cobranças e soluções irreais a respeito do que deve ser feito e não conseguir sair da ideia para partir para a ação.

3- Analise a importância do outro: Existem pessoas que sempre têm atitudes ou palavras que nos desagradam e irritam. Para lidar com elas, pense qual o tamanho da importância que essa pessoa tem na sua vida e se vale a pena gastar o seu tempo e se estressar com o que foi dito. Pense que naquele momento pode haver outras questões mais importantes para esquentar a cabeça do que um comentário maldoso.

4- Adquirir maior segurança: Pessoas inseguras sofrem muito quando pressionadas, pois se questionam o tempo todo se vão dar conta daquilo ou se tem condições de resolver o problema. Se você está em determinada função é porque tem capacidade para tal.

5- Analise e assuma a sua responsabilidade pelos atos: Diante de um conflito reavalie as suas atitudes e tente perceber se não teve alguma atitude que o desencadeou. Ao perceber a situação converse com as pessoas envolvidas e peça desculpas.

6- Cuide da saúde: procure perceber se o seu corpo está mostrando sinais físicos de cansaço e cobrança, como dor de cabeça, insônia, dor de estomago, irritabilidade, ganho de peso, dificuldade de concentração e etc. Caso você não esteja se sentindo bem, procure primeiramente um médico e depois um psicólogo.

7- Tenha momentos de relaxamento e prazer: É importante ter momentos que nos proporcionam relaxar e "desligar" um pouco dos acontecimentos para relaxar a mente e o corpo. Outro ponto positivo é que quando nos "afastamos" dos problemas, conseguimos vê-los por outra ótica e encontrar novas soluções.

8- Se respeite: Todos nós temos limites. Ninguém é tão forte a ponto de aguentar tudo e nem tão fraco a ponto de não dar conta de nada. Portanto, se existem situações que estão além do seu limite, reconheça e peça ajuda para as pessoas próximas.

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me ajudou ;)

23 de nov. de 2010

Eu que já não quero mais ser um vencedor...

Por Fabricio Cunha - http://fabriciocunha.com.br/levo-a-vida-devagar-pra-nao-faltar-amor/

Levo a vida devagar, pra não faltar amor



Tenho a impressão de que o diabo mudou radicalmente de estratégia. Antes, possuía pessoas, individualmente, de dentro pra fora, as “endemoninhando”. Passou a atuar de forma macro, de fora pra dentro, estruturalmente, nos “endemonizando”, isto é, nos tornando escravos de estruturas que nos desumanizam, de expectativas que nos subjugam, de sonhos que nos individualizam, de uma estética que nos coisifica e de uma agenda que nos escraviza.

Como diz o Rogério Quadra, citando sei lá quem, “em terra onde todos andam na direção errada, parece errado o que anda na direção correta”.

Sou pastor numa geração que perdeu o gosto pelo simples, que precisa estar sempre correndo para se sentir útil, ter coisas para se sentir alguém, endividada por “gastar o que não tem, para comprar o que não precisa, para impressionar quem não gosta”, tudo para se obter um sucesso sem senso de significado e patentemente irrelevante e vazio.

O convite de Cristo a se alumbrar com os lírios do campo, a perceber o toque sutil do outo, a multiplicar vida enquanto se vive, o convite à humanidade, depende de um tipo de agenda, que, por sua vez, se configura por nossas decisões.

De minha parte, acho que ”quem acha que perder é ser menor na vida” perde pois “quem sempre quer vitória, perde a glória de chorar”.

“Eu que já não quero mais ser um vencedor, levo a vida devagar pra não faltar amor.”

Fabricio Cunha

3 de nov. de 2010

Sobre escrever

Sobre escrever
Posted: 02 Nov 2010 07:09 PM PDT - A Bacia das Almas

Já foi dito várias vezes – e, ainda mais vezes, colocado por escrito, – mas escrever é para gente não-resolvida. Quem é verdadeiramente livre e vital não encontra brecha de vida para vaquejar palavras para dentro de uma página.

Todas as artes requerem do oficiante uma dose de auto-obsessão, mas o escritor é dentre todos o mais diretamente absorvido com a sua imagem. O escritor, mesmo quando fala do mundo e dos outros, tagarela apenas de si e para si; ele pode chegar a tornar-se universal, mas apenas na medida em que for fiel à sua obsessão com a auto-elucidação.

Deve ficar claro que não é o fato de ser escritor que o torna obcecado com a sua imagem. O trajeto é oposto: é de fato sua auto-absorção – o ruído ensurdecedor produzido pela sua própria máquina – que o conduz a ser escritor. A precaríssima tese de cada autor é que ele mesmo pode ser, mesmo que por um instante, mais interessante do que o mundo inteiro; é só essa intemperança que o levará a escolher uma vida em que possa tentar impor diariamente a sua supremacia sobre o universo.

E justamente nisso, em que o escritor só sabe se ocupar da sua imagem, é que fica claro o seguinte: escrever é a arte de viver compondo, corrigindo e grifando como gostaríamos de ser lembrados. É desenhar, aprovar e erguer a plataforma de nossa própria justificação.

Enquanto a maior parte de nós contenta-se em viver, o escritor toma as ferramentas da vida como insuficientes para explicar ao mundo quem ele realmente é. O arcabouço do dia a dia – levantar, trabalhar, esquecer, amar – lhe parece vaso insuficiente para saciar a sede da sua autoexpressão. Escritor é o cara que, considerando a vida escassa e acanhada para conter e manifestar a sua singularidade, passa a vida redigindo o seu próprio epitáfio.

É obsessão com a morte no sentido mais negativo e imaturo da coisa. Ou, dito no vocabulário de uma outra mitologia: a letra mata. Essa carga letal não impede, no entanto, que o autor gaste seus dias buscando na palavra um simulacro de vida. É na verdade essa quase-vida, esse paliativo do espírito, que o atrai na palavra escrita.

Já quem pisa o terreno da integridade e da suficiência não precisa, dizem-me, desses subterfúgios.

É portanto muito conveniente e muito elucidativo que a Bíblia tenha sido colocada por escrito, e que o Verbo encarnado – o Verbo encarnado, veja bem – não tenha jamais se inclinado sobre o papel. Em sua condição de texto, a Bíblia denuncia tacitamente a limitação de seus autores, bem como sua rejeição essencial de um mundo não definido pelas palavras e além das palavras contido.

O Filho do Homem, por outro lado, é um cara que existia e que tinha mais o que fazer. Os notáveis escrevem, mas o grandes limitam-se a viver, e nisso são indistinguíveis da gente comum.
* * *

Portanto, embora seja esperado que eu mesmo gaste tanto tempo escrevendo, é também paradoxal, porque só chegarão a me conhecer os que não lerem os meus livros – ou os que solenemente os ignorarem.

Talvez ninguém tenha me descrito e me ensinado melhor do que o atarefado Gabriel, que não deve ter ainda sete anos e decretou debaixo do sol de um verão na Toscana: sei vecchio, ciccio e non sai dire nulla: “você é velho, gorducho e não sabe dizer nada”. E disse isso sem afrouxar o abraço que estava me dando, e sem alterar em nada a consideração com que sempre me tratou.

http://www.baciadasalmas.com/?p=2402

Muito obrigada :.( :.)

27 de out. de 2010

profissão: Matemático

Muito bom ler essa reportagem. Saber melhor de alguém que percorre muito bem caminhos que eu tento mas mal consigo trilhar.
Nessa reportagem, a história de um jovem renomado matemático brasileiro, Artur Avila.
http://revistapiaui.estadao.com.br/edicao_40/artigo_1233/Artur_tem_um_problema.aspx

20 de out. de 2010

Ancestralidade

Luis Felipe Pondé

UM HOMEM deve reconhecer seus ancestrais. Existem várias formas de ancestralidade. Nossos autores prediletos são nossos patriarcas.
O primeiro texto que me marcou foi a Bíblia. Abraão e sua solidão diante de um Deus que armou sua tenda no deserto me deram um senso estético que nunca perdi. Seus profetas, num combate contínuo contra a estupidez do povo, fizeram de mim um cético com relação às virtudes populares.
Na medicina, Freud foi um encontro definitivo: o homem é um barco à deriva num mar de pulsões autodestrutivas. Vive como pode num mundo onde sua felicidade não parece fazer parte dos planos do Criador.
O Deus do ateu Freud é arrasador. Um judeu ateu é sempre um drama maior do que qualquer ateu, porque se assemelha à agonia de um vulcão.
Já na filosofia, o viés trágico se impôs com a descoberta de Nietzsche e sua filosofia do martelo, cujo desprezo mortal pela covardia e pelo ressentimento se tornou em mim uma segunda natureza. Sua política, uma espécie de anarquismo aristocrático, é sempre perigosa para os amantes dos rebanhos.
O ceticismo dos gregos, de Montaigne e de David Hume abalou para sempre minha capacidade de fé na razão, não em Deus, como pensa a vã filosofia.
Nunca acreditei muito no ser humano: considero o otimismo, principalmente hoje em dia, um desvio de caráter. Santo Agostinho e Pascal, cristãos pessimistas, me ensinaram que o cristianismo é uma história do homem combatendo ingloriamente (e cotidianamente) sua natureza afogada no mais sofisticado orgulho e na mais profunda inveja (de Deus). Quando me perguntam qualquer coisa sobre o ser humano, antes de tudo, penso como um medieval: os sete pecados capitais estão quase sempre certos. Somos pó que fecha os olhos diante do vento.
Dostoiévski é sempre essencial. Para mim, uma de suas descobertas capitais é que, ao contrário do que diz nossa miserável ciência da autoestima, apenas quando encaramos o mal (a “sombra” de uma espécie abandonada ao próprio azar) em nós é que recuperamos a vontade de viver. Só esmagando o orgulho com a humildade de quem se sabe insignificante é que vale a pena apostar no dia a dia.
Entre Nietzsche e Dostoiévski, aprendi que o niilismo, “esse incômodo convidado para o jantar”, veio pra ficar e é apenas diante dele que vale a pena exercer a filosofia.
E o judeu Rosenzweig? Definitivo para quem pressente que a metafísica nada mais é do que pensamento mágico a serviço do medo da morte. E que não é a esperança mágica que deve nos guiar, mas a percepção de si mesmo como milagre em meio ao pó que em nós estremece. Rosenzweig pensa como o homem bíblico.
Quando “decidi” que a academia era pequena sem a mídia, os “jornalistas filósofos” passaram a marcar meu horizonte profissional. Otto Maria Carpeaux descreveu a imagem máxima da relação entre espírito e corpo: quando o primeiro se levanta, o segundo se põe de joelhos.
Nelson Rodrigues, que estava certo em tudo que falava, escrevendo uma obra entre Santo Agostinho, Dostoiévski e Freud, iluminou um fato consumado: se o mineiro for solidário apenas no câncer, então tudo é permitido.
Paulo Francis, uma eterna falta entre nós, percebeu que o medo e a mentira pautariam a vida intelectual futura e que o “bem político” seria a nova face da estupidez do pensamento público.
E finalmente a praga da “fé política”. Contra essa, Edmund Burke e Tocqueville são bálsamos essenciais. Tocqueville, principal referência para entendermos a democracia, nos alertou para a natural vocação que esta tem para uma nova forma de tirania, a tirania da maioria. Antes de tudo, a democracia fez os “idiotas” (expressão rodriguiana) descobrirem que são maioria.
Burke nos lembrou, contra os que “amam a moda”, que a sociedade é uma comunidade moral de almas, que reúne os mortos, os vivos e os que ainda não nasceram. Para Burke, é apenas neste arco de ancestralidade que o homem se faz homem, contra a banalidade do presente que nos assola.
Enfim, quem conhece sua ancestralidade, mesmo quando caminhando no vale das sombras, nunca está só.

Fonte: Folha de S. Paulo
Extraído de www.pavablog.com

5 de out. de 2010

trechos de O mal estar da civilização - Sigmund Freud

"Contra o sofrimento que pode advir dos relacionamentos humanos, a defesa mais imediata é o isolamento voluntário, o manter-se à distância das outras pessoas. A felicidade passível de ser conseguida através desse método é, como vemos, a felicidade da quietude. Contra o temível mundo externo, só podemos defender-nos por algum tipo de afastamento dele, se pretendermos solucionar a tarefa por nós mesmos. Há, é verdade, outro caminho, e melhor: o de tornar-se membro da comunidade humana e, com o auxílio de uma técnica orientada pela ciência, passar para o ataque à natureza e sujeitá-la à vontade humana. Trabalha-se então com todos para o bem de todos. Contudo, os métodos mais interessantes de evitar o sofrimento são os que procuram influenciar o nosso próprio organismo. Em última análise, todo sofrimento nada mais é do que sensação;só existe na medida em que o sentimos, e só o sentimos como conseqüência de certos modos pelos quais nosso organismo está regulado.O mais grosseiro, embora também o mais eficaz, desses métodos de influência é o químico: a intoxicação. Não creio que alguém compreenda inteiramente o seu mecanismo; é fato, porém, que existem substâncias estranhas, as quais, quando presentes no sangue ou nos tecidos, provocam em nós, diretamente, sensações prazerosas, alterando, também, tanto as condições que dirigem nossa sensibilidade, que nos tornamos incapazes de receber impulsos desagradáveis. Os dois efeitos não só ocorrem de modo simultâneo, como parecem estar íntima e mutuamente ligados. No entanto, é possível que haja substâncias na química de nossos próprios corpos que apresentem efeitos semelhante pois conhecemos pelo menos um estado patológico, a mania, no qual uma condição semelhante à intoxicação surge sem administração de qualquer droga intoxicante. Além disso, nossa vida psíquica normal apresenta oscilações entre uma liberação de prazer relativamente fácil e outra comparativamente difícil, paralela à qual ocorre
uma receptividade, diminuída ou aumentada, ao desprazer. É extremamente lamentável que até agora esse lado tóxico dos processos mentais tenha escapado ao exame científico. O serviço prestado pelos veículos intoxicantes na luta pela felicidade
e no afastamento da desgraça é tão altamente apreciado como um benefício, que tanto
indivíduos quanto povos lhes concederam um lugar permanente na economia de sua libido. Devemos a tais veículos não só a produção imediata de prazer, mas também um grau altamente desejado de independência do mundo externo, pois sabe-se que, com o auxílio desse ‘amortecedor de preocupações’, é possível, em qualquer ocasião, afastar-se da pressão da realidade e encontrar refúgio num mundo próprio, com melhores condições de sensibilidade. Sabe-se igualmente que é exatamente essa propriedade dos intoxicantes que determina o seu perigo e a sua capacidade de causar
danos. São responsáveis, em certas circunstâncias, pelo desperdício de uma grande
quota de energia que poderia ser empregada para o aperfeiçoamento do destino humano."

29 de set. de 2010

Capitalismo, socialismo, alienação e o capeta

24 de Setembro de 2010
Oficiado dominicalmente por Paulo Brabo
Estocado em Manuscritos
http://www.baciadasalmas.com/2010/capitalismo-socialismo-alienacao-e-o-capeta/?utm_source=feedburner&utm_medium=email&utm_campaign=Feed%3A+baciadasalmas+%28A+Bacia+das+Almas%29

Cada discurso de libertação traz dentro de si a semente de uma nova servidão; em cada esforço de justiça está encapsulada a ameaça – talvez a promessa – de uma nova injustiça jamais sonhada.

Quando pisou o palco da história, na esteira da Reforma e do Renascimento, o capitalismo representou a implantação no âmbito econômico – e portanto na vida real – dos ideais de liberdade e de igualdade articulados pelo Iluminismo e adotados pela Revolução Francesa.

O capitalismo salvou o mundo das estruturas do feudalismo, que dividiam a sociedade em compartimentos estanques dos quais ninguém podia sonhar escapar. No mundo medieval, pré-capitalista, os pobres nasciam pobres e morriam pobres, enquanto os nobres nasciam nobres e viviam ricos. Esse estado de coisas era mantido, por um lado, pela força bruta e pela tradição; por outro lado, dependia da intimidação e do aval fornecido pelo clero e pelas demais estruturas da igreja medieval.

O sistema estava em vigor há quase mil anos e nada parecia ser capaz de ameaçar a sua supremacia, até que uma série de novidades mais ou menos interligadas (entre elas a invenção da imprensa, a divulgação dos clássicos gregos e a própria Reforma) acabou injetando na sociedade uma série de noções revolucionárias. O Humanismo fez com que o homem baixasse os olhos do céu pintado do teto da igreja e olhasse para aquela belíssima criatura no espelho; inspirado por sua vez no que viu no rosto do homem, o Iluminismo desenhou os ideais de cidadania, igualdade e direitos inalienáveis.

As revoluções constitucionais e republicanas representaram a aplicação desses ideais nos contextos das nações, mas foi preciso o dinheiro – isto é, a ascensão do capitalismo – para legitimar o sonho democrático de mobilidade social no mundo real. Porque, com o capitalismo, estava aparentemente tudo resolvido; o mundo era finalmente um lugar justo, em que qualquer um podia enriquecer e ascender a escala social pelos seus próprios méritos. As hierarquias tradicionais perdiam a sua validade num mundo conduzido por um mercado cada vez mais exigente e influente, inteiramente pronto a premiar qualquer um que satisfizesse os seus caprichos ou – talvez melhor – fosse capaz de lhe oferecer caprichos novos.

Neste novo mundo o menos sofisticado dos mercadores podia pisar o mais requintado dos salões, demonstrando com o tilintar de moedas esse seu direito. O valor de um notável foi transferido da pureza do seu sangue para o saldo da sua conta bancária, onde permanece até hoje.

Em muitos sentidos o capitalismo foi portanto um milagre e uma manifesta vitória, os quais ainda não nos cansamos de celebrar. Serviu para denunciar mecanismos de dominação que eram tidos como evidentes e naturais mas que eram, na realidade, meras fabricações ideológicas. Como todos os discursos, apresentavam-se como sãos e bem-intencionados, porém serviam para sustentar um estado de coisas muito injusto e artificial. A desigualdade requer uma ideologia para manter seu perverso equilíbrio, e as noções medievais de honra, tradição, autoridade religiosa, sangue e hierarquia (entre outras) garantiam que o povo comum continuasse sendo explorado, ao mesmo tempo em que a renda e o poder se mantinham concentrados nas mãos seletas da nobreza e do clero.

Ainda mais do que as revoluções nacionais, a ascensão do capitalismo alterou para sempre o tecido dessa realidade, servindo para expurgar e anular dos anais da aceitabilidade condutas e opiniões que eram anteriormente tido como norma e decência, como o próprio curso natural das coisas. Ao denunciar e reverter o caráter artificial dos scripts que faziam rodar o sistema medieval, o capitalismo mudou o eixo do mundo, tornando-o para todos os efeitos mais justo e menos arbitrário.

Porém as soluções que são discursos (e, no fundo, o capitalismo é uma construção arbitrária e artificial como o feudalismo) acabam gerando injustiças pelo menos tão atrozes quanto as que se prontificou a corrigir.

Coube a Karl Marx observar que as soluções de um mercado nominalmente “livre” acabam criando novas e severas formas de dominação e de alienação. O capitalismo traiu quase que imediatamente as boas intenções do seu discurso. O poder que atribuiu ao mercado acabou transformando o desejo numa força disciplinatória e coerciva ao invés de (como gostaria de ser e como se apresenta) libertadora e criativa. Por depender delas para se sustentar, o capitalismo patrocinou desde cedo (e cada vez mais) a alienação, a exploração e a exclusão em todas as suas formas. Aprendeu a aplacar o homem com a satisfação de necessidades menores, ao mesmo tempo em que mantem o sistema rodando pela introdução de necessidades novas e artificiais; essas, uma vez legitimadas pela adoção dos ricos, geram desejo nos menos ricos, que gastarão a vida tentando acompanhar os que se mostram melhores consumidores do que eles. Enquanto todos correm em perfeita sincronia atrás do que não precisam, passando por cima dos que não tem, a distância entre trabalho e capital é perpetuada: a igualdade, a liberdade e a mobilidade social permanecem uma ilusão, e o poder descansa concentrado como na mais imperial das hegemonias.

Em outras palavras, o capitalismo forjou um novo script, e um capaz de sustentar uma realidade tão implacável e arbitrária quanto a medieval, ao mesmo tempo em que dá a impressão de que tudo está correndo do modo mais justo e natural.

O comunismo foi postulado para corrigir essas distorções, levando à sua consequência natural os princípios de igualdade pregados pelo Iluminismo. No mundo ideal projetado por Marx a propriedade privada continuava a existir, mas os bens de produção – cujo monopólio, explicava ele, acaba perpetuando a desigualdade feudal – passavam a pertencer a todos. Neste mundo cada um trabalharia num espaço produtivo e criativo que seria muito literalmente seu, reaproximando o trabalhador do fruto do seu trabalho e anulando a força degradadora da alienação pessoal e coletiva.

Tratava-se de um projeto belíssimo e com um impecável embasamento teórico; porém, como se sabe, as tentativas revolucionárias de se implantar o comunismo produziram sucesso (para dizer o mínimo) questionável. Com ainda mais rapidez e intensidade do que o capitalismo, o comunismo revolucionário traiu suas boas intenções e foi utilizado como ferramenta de dominação e de exploração. O poder permaneceu concentrado, a continuidade do estado de coisas passou a depender da propaganda mentirosa e da intimidação, e a frustração coletiva diante das falhas do sistema acabou produzindo alienação em grau pelo menos tão devastador quanto a que gerava o capitalismo.

O comunismo, nascido na denúncia apaixonada das ideologias, havia se tornado apenas mais uma, gerando seu próprio script ideológico e seu próprio mundo condicionado e alienante. O primeiro projeto humano que propunha a implantação deliberada e generalizada de um mundo justo passou a representar, para muitos, sinônimo de abominação e de terror.

É uma história que ainda não acabou, mesmo porque que desenvolveram-se nesse intervalo muitas estirpes de socialismo e de capitalismo, algumas das quais aprenderam a sentar-se na mesma mesa para conversar. Por outro lado, capitalismo e comunismo ficaram conhecidos pelo modo praticamente oposto com que propõem-se a defender os mesmos princípios de liberdade e de igualdade. Uma resolução desse conflito (e da resultante polarização) parece pertencer a um horizonte distante.

O que ficou demonstrada, no entanto, é a capacidade humana de torcer o mais equilibrado e bem-intencionado dos discursos de modo a moldá-lo em ferramenta de dominação e exploração. O projeto que foi estudado à minúcia para garantir a justiça será fatalmente usado para perpetuar o seu oposto. Nossa intenção de salvar acaba matando, e o sonho de remendar acaba rasgando. Num livro de 1995, Howard Bloom dá a essa tendência contraditória e irresistível o nome de Princípio Lúcifer:

Um resultado: nossas melhores qualidades acabam despertando o pior de nós. De nossa ânsia em reunir e consolidar vem nossa tendência a separar e destruir. De nossa devoção a um bem maior vem nossa propensão às mais vis atrocidades. De nosso compromisso com ideais elevados vem nossa desculpa para odiar. Desde o princípio da história temos sido cegados pela capacidade do mal em assumir um disfarce de abnegação. Temos sido incapazes de enxergar que nossas qualidades mais admiráveis conduzem-nos muitas vezes às ações que mais abominamos: assassinato, tortura, genocídio e guerra.

Não será mero exagero ou retórica associar essa tendência (de usar o que é bom para perpetuar o mal) a Satanás, porque num sentido muito profundo essa tendência é Satanás. René Girard sugere algo parecido quando explica os mecanismos de demonização e de vitimização que mantem as sociedades ao mesmo tempo apaziguadas e injustas. Apegar-se a boas intenções que acabam produzindo terror e injustiça não é só coisa do diabo; esse processo, aparentemente, é o próprio diabo, e não pode ser revertido ou contornado por qualquer discurso acessível aos homens. O capeta se esconde nos nossos sonhos mais elevados e nas demandas mais puras.

Jesus, o não-condicionado, aparentemente não ignorava essas coisas, porque recusou-se consistentemente a articular um discurso. Não chegamos a conhecer sua “proposta”, o reino de Deus, por algo além de comparações e parábolas (que não permitem compreensão mais do que transversal), e pela sua própria e irrepreensível conduta. Grande parte da sua vida foi dedicada a denunciar e condenar os scripts institucionais de dominação, porém ele mesmo não rebaixou-se a sugerir um discurso substituto, porque sabia que qualquer ideologia pode ser (e será) usada como ferramenta ideológica nas mãos de Satanás1.

O que Jesus deixou-nos como herança é o reino de Deus, um local ou condição que não pode ser adequadamente descrito ou atingido. O reino está em perpétuo tornar-se, em perpétuo devir, e espreita “dentro de nós” e “entre nós” aguardando o momento de ver Satanás despencando como um relâmpago. O reino de Deus não pode ser fundado nem implantado nem articulado nem encontrado; só pode ser buscado, e diz-se que para os que o buscam – e para os tocados pela sua obsessão de dividir – todas as coisas serão acrescentadas.

A igreja e o Poder
1. Pela alma do povo: omissões coletivas e bravuras individuais
2. A fissura do mundo: política, polarização e paralisia
3. Capitalismo, socialismo, alienação e o capeta

NOTAS

1. O que Jesus recusou-se a prover a igreja, naturalmente, se dispôs a tabular e graciosamente oferecer, com a maior das boas intenções e os mais trágicos resultados. [↩]

15 de set. de 2010

A tristeza do cachorro com seu cone

Um cachorro muito alegre e levado arranjou uma ferida. Essa ferida poderia ser curada, bastava que o cachorro parasse de lambe-la. Então o seu dono teve que colocar um cone no seu pescoço para que o cachorro não lambesse a ferida e que assim ela não inflamasse de tal forma que tomasse conta do corpo do cachorro. Depois da raiva de estar com aquele cone no pescoço o cachorro ficou muito triste porque ele não entedia porque aquele cone estava em seu pescoço. Então seu dono teve uma idéia.



Essa era a única maneira de mostrar para o cachorro que aquilo que ele estava passando ele tinha que passar, e que ele poderia suportar viver um tempo com aquele cone no pescoço, veja só o dono também pode ficar com o cone no perscoço igual você.

Qualquer semelhança com uma história bíblica?

[baseado em fatos reais ocorridos com Buck e Renan]